Mortos e desaparecidos políticos

Fonte: Marco Antônio Rodrigues Barbosa | Folha de S. Paulo

Na carta que dirigi em 20 de janeiro deste ano à então ministra Maria do Rosário Nunes, solicitando a minha retirada da presidência da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, para a qual fui nomeado em 2006 pelo ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ressaltei a enorme importância dessa entidade para a história deste país.

Criada em 1995 no governo de Fernando Henrique Cardoso, com o apoio do então ministro da Justiça José Gregori e como resultado da luta de familiares de mortos e desaparecidos políticos, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, no exercício de suas atividades, não se limitou a jogar luz sobre as violências praticadas nos porões da repressão política, ao julgar 475 pleitos administrativos desses familiares. Também o fez em razão de publicações essenciais, a exemplo do lançamento do livro “Direito à Memória e à Verdade” em agosto de 2007, iniciativa que valeu como verdadeiro desbloqueio para um debate que não parou de crescer nos últimos sete anos e ajudou na conquista mais importante dessa luta até o momento, que foi a criação da Comissão Nacional da Verdade.

As decisões, proferidas nos 475 processos administrativos instaurados em resposta à iniciativa dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, dentre outras consequências significativas, deram ensejo à organização de um arquivo, cujo conteúdo é básico para a instrumentalização dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, hoje disseminada em diversas comissões
Estaduais, municipais, em universidades e em várias subseções da Ordem dos Advogados do Brasil, com uma proposta que não pode ser considerada revanchista, da qual as próprias Forças Armadas, caso abram seus arquivos, despontarão como uma das principais beneficiárias de uma análise e conclusão necessárias à restauração da memória e da verdade, separandose o
joio do trigo.

Outras conquistas também foram fundamentais. É o que aconteceu, por exemplo, com a criação de um banco de sangue extraído dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, com vistas à identificação de restos mortais dos entes desses familiares. É o que ocorreu, também, com a participação da comissão no processo de elaboração e constituição do Grupo de Trabalho do Araguaia, no intuito de dar cumprimento às sentenças da 1ª Circunscrição Judiciária de Brasília e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. É o que sucede, atualmente, com a constituição, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com a Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura Municipal de São Paulo, com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e outras instituições, do Grupo de Arqueologia e Antropologia Forenses (Gaaf), com a finalidade de adotar medidas necessárias à busca, localização, identificação arqueológica e antropológica de espaços e de restos mortais de desaparecidos políticos vitimados no contexto da repressão política da ditadura.

A relevância na história política e as conquistas da comissão são frutos da dedicação dos seus assessores administrativos e da participação voluntária de seus integrantes. Agradeço imensamente essa dedicação, cuja continuidade é fundamental para que o Estado responda ao justo clamor dos familiares de mortos e desaparecidos políticos que ainda não tiveram reconhecido o direito
milenar e sagrado de sepultar seus entes queridos, ou, pelo menos, de receber todas as informações até hoje sonegadas e o explícito compromisso de envidarem-se esforços para que esses fatos não se repitam nunca mais.

Para que o trabalho ainda essencial à história não seja interrompido, estou seguro de que a ministra Ideli Salvati e a presidente Dilma Roussef indicarão com a máxima urgência, na forma da lei, o novo titular ou a nova titular para exercer a presidência dessa comissão que representou o primeiro passo do Estado brasileiro de acolhimento das justas demandas dos que morreram na
luta contra a ditadura.

MARCO ANTÔNIO RODRIGUES BARBOSA, 66, é advogado. Foi presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e do Condepe (Conselho de Defesa da Pessoa Humana)