Aprovada pelas duas Casas do Congresso com alterações na proposta inicial, Medida Provisória 948 pende de sanção presidencial

Fonte: Por Stéphanie Ghidini Lalier e Ana Luisa Bertho Barbosa, advogadas associadas da área de entretenimento

A Medida Provisória 948 (“MP”), publicada em 08.04.2020, foi aprovada no dia 30.07.2020 pelo Congresso Nacional, na forma de projeto de lei de conversão (PLV 29/2020), após o texto sofrer alterações na Câmara dos Deputados.

Veja aqui e aqui os textos publicados a esse respeito com as previsões iniciais da MP.

A MP foi editada com a intenção de mitigar os impactos econômicos gerados pela pandemia da Covid-19 no mercado de entretenimento e de turismo, além de uniformizar as compensações garantidas aos consumidores, decorrentes de adiamentos e cancelamentos de serviços, de reservas ou de eventos.

Nesse sentido, a MP reconhece que os efeitos da pandemia nas relações de consumo por ela regidas caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior e não ensejam danos morais, nem aplicação de multas ou de penalidades previstas no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor[1], ressalvada a hipótese de má-fé da empresa.

Em um cenário em que as empresas já se encontram em situação de extrema vulnerabilidade financeira, a vedação à imposição dessas penalidades é essencial, na medida em que, normalmente, chegam a valores milionários.

A MP prevê que os fornecedores não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, diante do adiamento de evento ou de reservas, desde que garantida a remarcação ou a disponibilização de crédito para ser utilizado na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas.[2]

A devolução de valores pagos pelos consumidores em reservas ou eventos adiados ou cancelados em decorrência da pandemia é medida de exceção, prevista apenas na hipótese em que as demais opções não sejam viáveis, por exemplo, quando se tratar de um evento único, que não possa ser remarcado, ou da reserva de um hotel que não disponha de datas para a remarcação.

Dentre as modificações do texto no Congresso, destaca-se o aumento do prazo de 90 para 120 dias (desde que não ultrapassado o prazo de 30 dias que antecedem a realização do evento), contados da comunicação do adiamento ou do cancelamento do evento, para que o consumidor opte entre a remarcação ou a disponibilização de crédito.

Se a empresa optar pela remarcação do evento, deve respeitar (i) os valores e as condições dos serviços originalmente contratados; e (ii) o prazo de dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública[3].

Caso o consumidor não observe o prazo de 120 dias, segundo o texto aprovado pelo Congresso, a empresa fica desobrigada de qualquer forma de ressarcimento, mas, na hipótese de o prazo não ser cumprido por motivo de falecimento, de internação ou de força maior, o prazo será integralmente restituído, em proveito da parte, do herdeiro ou do sucessor, a contar da data de ocorrência do fato impeditivo da solicitação.

Apenas no caso de não ser possível proceder com a remarcação ou com a disponibilização de crédito, a empresa deverá restituir o valor recebido – sem o acréscimo, inicialmente previsto pela MP, mas excluído pelo Congresso, de correção monetária -, no prazo de 12 (doze) meses, também contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

O texto aprovado pelo Congresso não trouxe muitas alterações quanto ao que a MP inicialmente previa sobre os artistas e os prestadores de serviços já contratados e que tiverem seus contratos afetados pelo cancelamento ou remarcação do evento. Para eles, a previsão é de que não terão obrigação de reembolsar imediatamente os valores dos serviços ou cachês já recebidos, desde que o evento seja remarcado no prazo de 12 (doze) meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública.

Caso o serviço não venha a ser prestado, no prazo previsto, pelos artistas ou prestadores de serviços, eles deverão restituir o valor recebido, atualizado monetariamente pelo IPCA-E, também no prazo de doze meses.

Ou seja, com relação aos artistas e prestadores de serviços, a não ser na hipótese de cancelamento definitivo do evento, a proteção que se visa conferir é direcionada a eles, e não à empresa de entretenimento.

Uma solução, que não era prevista pelo texto inicial, foi incluída pela Câmara. Na hipótese de não ser pactuada uma nova data de comum acordo entre a empresa e os prestadores de serviços e artistas, os valores que estes já receberam da empresa devem ser imediatamente restituídos.

Outra previsão importante acrescida no texto aprovado pelo Congresso é a de que, enquanto vigorar o estado de calamidade pública, serão anuladas multas por cancelamentos desse tipo de contrato com artistas e prestadores de serviços.

A MP passou a produzir efeitos jurídicos na data de sua publicação, em abril. Agora, após tramitar nas duas casas do Senado, a expectativa é que seja sancionada em breve pelo Presidente para, então, ser convertida definitivamente em lei ordinária. Esta medida certamente contribuirá para pacificar as relações de consumo impactadas pela pandemia e as relações com os artistas e prestadores de serviços, evitando, assim, a massificação de conflitos e assegurando um mínimo de previsibilidade às soluções que podem ser impostas pelo Poder Judiciário e, nos casos de consumo, pelos órgãos de defesa do consumidor, em âmbito administrativo.


[1] Art. 56, CDC – As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
I – multa; II – apreensão do produto; III – inutilização do produto; IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V – proibição de fabricação do produto; VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII – suspensão temporária de atividade; VIII – revogação de concessão ou permissão de uso; IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI – intervenção administrativa; XII – imposição de contrapropaganda.
[2] No texto aprovado pela Câmara foi excluída a hipótese inicialmente prevista de que a empresa e o consumidor poderiam firmar outro tipo de acordo.
[3]  A proposta inicial previa que a sazonalidade também deveria ser respeitada e que o prazo era de 12 meses